quinta-feira, 24 de abril de 2003

Às vezes me pergunto: o que é ser marginal? Palavra oriunda do substantivo "margem" que significa algo periférico, excluído, algo que está à beira de tudo; à margem de tudo. Em uma página de um livro há as margens esquerda e direita, as margens inferior e superior. Elas emolduram o texto, o grande protagonista, de cuja existência, porém, independe a existência das margens. Elas são o sustentáculo da nobreza, no caso, as frases, orações e parágrafos.



Sociologicamente falando, o indivíduo marginal é aquele delinqüente que rouba, mata, seqüestra e estupra. Ele vive à margem das normas éticas e morais. Ele não cumpre as leis e não respeita regras de conduta. Ele é um marginal na mais pejorativa acepção do termo.



O mundo moderno, com seu caráter excludente e truculento, acabou criando o novo marginal: o povo. Refiro-me ao povão, mesmo. O povão trabalhador (quando o deixam trabalhar!), o povão que sofre, o povão que paga imposto, o povão que só quer um pouco de amor, trabalho e pão. Em resumo, todos nós. Vivemos à margem de tudo. Somos cidadãos no papel e marginais na vida. Marginais na acepção neoliberal da palavra (neomarginais?). A situação desesperadora de um pai de família que procura emprego e não encontra pois não possui qualificação para ocupar as poucas vagas de que o mercado dispõe, pois desde sempre este cidadão estivera à margem dos serviços educacionais de qualidade, é típica da marginalização moderna. A marginalização tecnológica é outro tipo de exclusão violenta hoje em dia. Por mais incrível que possa parecer (os "bem-nascidos" devem achar um absurdo o que direi, mas é a mais pura verdade!), um percentual baixíssimo de pessoas tem hoje acesso ao mundo da informática. Ter um computador em casa, então, é coisa para alguns poucos privilegiados (só peço que pensem além, muito além, dos bairros de classe média das suas cidades). As pessoas estão marginalizadas como cidadãos e seres-humanos. Estamos à margem do respeito, da consideração, da dignidade. Fomos reduzidos a números e estatísticas. A competitividade cruelmente nos colocou à margem da humanidade e da fraternidade.



Marginais somos todos nós que não participamos das decisões políticas dos nossos "representantes". Estamos à margem porque votamos e nos fazem acreditar que o nosso direito não vai além disso. Estamos à margem porque pagamos impostos e não vemos retorno algum em forma de benefícios ao povo. Estamos à margem porque, quando menos esperamos, estoura um novo escândalo nos jornais envolvendo milhões (e até bilhões) de reais desviados dos cofres públicos e notamos que esta foi apenas a gota que entornou todo o líquido. Nos damos conta de que, enquanto estávamos procurando um atendimento médico pelo SUS (somos marginais, não temos UNIMED), enquanto batíamos de porta em porta a procura de emprego (somos marginais, não temos diploma), enquanto assistíamos novela (somos marginais, não temos NET), enquanto pagávamos o nosso carnê para não pararmos no SPC (somos marginais, não temos VISA), algum safado eleito através do nosso voto se locupletava às nossas custas (somos marginais, temos vergonha na cara).



Somos a margem que sustenta o texto na página do livro. Somos o povo que sustenta o capital. Nosso trabalho escravo proporciona à nobreza o destaque que ela, como protagonista, nos faz acreditar que merece. Mas o que seria dos parágrafos e frases bem escritas sem a margem para lhes dar sustentação? A margem que emoldura também impõe limites. O dia em que o povo descobrir isso, a coisa vai ser diferente.



O marginal moderno de hoje pode ser a semente do marginal sociológico de amanhã ou o germe do marginal revolucionário do futuro. Só depende de o vento soprar para o lado certo.

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