domingo, 27 de julho de 2008

HÁ PESSOAS E "PESSOA"



Inegavelmente, sou, assim como tu, que ora me lês, um ser privilegiado. Sou nativo deste torrão brasileiro, onde se fala português - o vernáculo do magistral poeta lusitano Fernando Pessoa. Não fui merecedor de nascer em solo pessoano, tampouco digno de ter o grande bardo por conterrâneo, cá em pindorama, mas os deuses, neste cenário de impossibilidades, foram-me exageradamente generosos ao cuspirem-me no Brasil, nação que dialoga com Portugal sem traduções. E a possibilidade de ler Pessoa sem o intermédio nocivo e mutilador das traduções é uma dádiva! Porque a irmã caçula do Latim, ou, como se referira Olavo Bilac à língua portuguesa, a "última flor do lácio", possui meandros quase inacessíveis, os quais, manuseados cirurgicamente por Pessoa, desautorizam toda qualidade de traduções, sob pena de deturpações criminosas e decapitações depauperantes. Shakespeare, Baudelaire e Dante Alighieri que me perdoem, mas ler Pessoa no original é um prazer único e incomparável - prazer que experimento quase diariamente.

Abaixo, uma pequena amostra de Pessoa (sem tradução):

DOBRE
(1913)

Peguei no meu coração
E pu-lo na minha mão

Olhei-o como quem olha
Grãos de areia ou uma folha.

Olhei-o pávido e absorto
Como quem sabe estar morto;

Com a alma só comovida
Do sonho e pouco da vida.

terça-feira, 22 de julho de 2008

VERBORRÉIA

Pois é. A Donatela acaba de flagrar a Flora e o Silveirinha juntos - traição das mais rasteiras. E eu aqui, catatônico diante do meu notebook, na torturante expectativa de que me venham idéias que mereçam registro, cá no Bionicão. Nada. Vazio. Ausência. Dou-me conta, neste triste ensejo de desinspiração, de que sou um ser alienígena - e alienado -, pois não me sensibilizei nem um pouco com o falecimento da centenária e desbocada Dercy Gonçalves, célebre por proferir, aos borbotões, toda a sorte de obscenidades nas mais inusitadas situações. A mim não deixará saudade. Mas a comoção nacional é-me impressionante. Falando em nada, vazio e ausência, desconsiderem estas mal-traçadas que inconvenientemente ocuparam este espaço que nada fez para merecê-las e que, inegavelmente, apresentar-se-ia com muito mais dignidade se vazio.

Este post nada mais é do que o resultado mal-acabado de um irrefreável desejo de escrever algo - fosse lá o que fosse. E foi...

quinta-feira, 17 de julho de 2008

O PIOR CEGO


O pior cego não é aquele que não quer ver.
O pior cego, o mais repugnante e desprezível, não é aquele que a vida privou da visão.
Ele não tateia seus enviesados caminhos com uma bengala branca, tampouco disfarça sua deficiência com um par de óculos escuros.
O pior cego, o mais repulsivo, o mais abjeto, é aquele que, paradoxalmente, enxerga muitíssimo bem, mas finge não ver absolutamente nada, sempre que lhe convém.
Este está condenado eterna e covardemente a uma confortável e proveitosa condição de cegueira auto-imposta.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

AINDA SOBRE A LEI SECA



Explicar-me-ei melhor.

Meu questionamento é pontual e restringe-se às penalidades impostas pela lei ao condutor de veículo automotor sob o efeito do álcool.

Objetivamente, a nova redação do Código Brasileiro de Trânsito prevê que qualquer concentração de álcool por litro de sangue sujeita o condutor de veículo automotor a multa, suspensão do direito de dirigir por doze meses, bem como apreensão do veículo.

Lei é lei. Há que se cumprir, a despeito da essência iníqua que a mesma possa trazer consigo - repito: a lei em questão pune para não educar. Mas o questionamento é sempre válido e indispensável para que eventuais(?) deslizes dos nossos legisladores venham à tona e possam ser corrigidos.

Pois o deslize maior, no caso em voga, é a linearidade da pena. Vejam bem: o rigor da lei é exatamente o mesmo para o motorista que bebeu uma simples taça de vinho e para aquele condutor irresponsável que consumiu uma caixa de cervejas e arvorou-se a "pilotar" tresloucadamente o seu bólido numa via pública qualquer.

Compreendida a minha indignação? A penalidade é a mesma para comportamentos completamente diversos. É-me injuriante tal incoerência! Mal comparando, seria como se puníssemos um simples furto com o mesmo rigor com que se pune um homicídio (o exemplo é intencionalmente exagerado para fins didáticos).

Na minha opinião, o condutor que consome uma taça de vinho, ou uma lata de cerveja, em hipótese alguma pode ser equiparado ao motorista flagrantemente embriagado - este sim, uma verdadeira ameaça -, sob pena de se estar cometendo uma grande e imperdoável injustiça.

A violência no trânsito é conseqüência direta de dois fatores preponderantes na condução de um veículo automotor: irresponsabilidade e embriaguez. O motorista irresponsável assim o é na sobriedade, também. Apenas este, na sua inconseqüência e leviandade intrínsecas, consome grandes quantidades de álcool e dirige. Este mesmo estouvado condutor é o grande protagonista das cenas trágicas a que assistimos diariamente em nossas estradas. O cidadão responsável, que degusta seu cálice de vinho no restaurante ou sua única cerveja na pizzaria, pega o seu carro e o conduz tranqüila e defensivamente rumo à sua casa, raramente se envolverá em algum acidente de trânsito. Este, quando muito, é uma vítima em potencial daquele, a verdadeira ameaça a que a lei em questão deveria ater-se. No entanto, ambos são tidos como infratores de igual periculosidade conforme esta mesma lei - legal, porém, injusta.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

AFORISMO

Os que me maldizem sabem-me tão pouco que só a estes cabe assim fazê-lo.

LEI SECA




Demorei-me, mas cá estou. Não poderia abster-me de dar a minha opinião sobre a tão polêmica Lei Seca, uma vez que a referida interfere diretamente nos meus hábitos etílico-comportamentais de até então.

De antemão, sou contra, especialmente nos moldes em que se apresenta. Sou contra, na essência, pois ela criminaliza em vez de educar - assim como, por razões análogas, ponho-me contrário a qualquer sorte de cotas, mas essa é outra longa e polêmica história. Mas aceito-a, em caráter emergencial, diante do sangue que vem tingindo nossas rodovias. Apenas proponho-lhes um singelo questionamento no intuito de aferir a justeza da mencionada lei.

É sabido que uma considerável parte dos acidentes de trânsito estão diretamente relacionados ao consumo excessivo de álcool. Esta é uma realidade irrefutável e estatisticamente comprovada. A minha dúvida reside no seguinte:

Quantos desses condutores alcoolizados, ao protagonizarem um acidente de trânsito, encontram-se em estado crítico de embriaguez, extrapolando em muito os atuais limites impostos pela lei? E quantos, por sua vez, haviam ingerido responsavelmente uma quantidade modesta de álcool (uma cerveja ou um cálice de vinho) em um jantar com a família? Acredito que muito poucos, ou nenhum, enquadrar-se-iam no último cenário, pois estes, raramente, envolvem-se em acidentes de trânsito, tampouco os provocam. Os grandes atores dos espetáculos dantescos a que assistimos diariamente em nossas estradas, acredito eu, são aqueles do primeiro cenário proposto.

Creio que respostas a estas indagações evidenciariam claramente que o motorista irresponsável - tanto na condução do veículo como na ingestão de bebidas alcoólicas - é o verdadeiro protagonista da violência no trânsito, mas, em ambos os casos acima referidos, em se comprovando a ingestão - exagerada ou moderada - a punição é rigorosamente a mesma.

Há que se reduzir a violência no trânsito! Concordo. Mas, para isso, deve-se combater a verdadeira causa. Por que não uma progressividade nas punições? É injusto que dois cálices de vinho penalizem-me com o mesmo rigor de uma caixa de uísque circulando por minhas artérias!

Ao meu ver, o comportamento responsável é inerente à própria pessoa, independentemente da substância sob cujo efeito esteja. O motorista consciente bebe socialmente e dirige defensivamente, já o mau motorista, mesmo sóbrio, conduz seu veículo como uma arma, ofensiva e irresponsavelmente.

Discordas? Então, comenta!

quarta-feira, 2 de julho de 2008

ACAMADO

Maldito resfriado! Pôs-me de cama em pleno gozo de minhas merecidas, embora brevíssimas, férias. Fazer o que em meio a esta leve debilitação física? Escrever, obviamente!
Sob umas três toneladas e meia de toda a sorte de cobertores, edredons e afins, digito algumas mal-traçadas, só pra não perder o traquejo. Nada de relevante.

Na telinha hipnótica, acabo de ver uma senhora portuguesa admitir a superioridade literária do nosso magnífico Machado de Assis em relação ao português Eça de Queirós. Descobriu a pólvora, a gaja. Na minha modesta e leiga opinião, na literatura portuguesa, apenas o poeta Fernando Pessoa se compara ao romancista brasileiro, embora tenham desfilado em searas distintas: aquele, na poesia, este, na prosa. Ambos aventuraram-se, também, em gêneros literários diversos daqueles em que se consagraram, mas nem de longe com igual brilho.

Eça é ótimo, mas Machado é genial. Basílio curva-se demorada e respeitosamente na presença de Brás Cubas.