quinta-feira, 26 de julho de 2012

BRIGAS


Um tapa de silêncio
Uma lufada de indiferença
Um golpe de descaso
Um sulco da tua unha
Na minha pele. Uma fenda
Profunda
Outro tapa: agressão
Na carne e na alma
Disparates disparados
A esmo
Muitos pegam, poucos não

A cólera é já outra
O estrago inda é o mesmo
Gritos, gritos, gritos
E eu aflito, aflito
Silencio: desprezo?
Não, desespero
E medo. Muito medo!
Medo sombra, companheiro

Cala a boca!
Dedo em riste: chega!
Um raivoso, outro triste...
Um pranto úmido e sonoro
O outro mudo e represado
Não dá mais! Aparta!
E o amor? Aquele amor?
Aquele que se foi
Tão forte quanto veio?
Como ficam a flor, a cor, o olor?
Me perdoa. Eu te amo
Eu te odeio.

domingo, 22 de julho de 2012

PÃO E CIRCO


A hedionda política do Pão e Circo - da qual muitos certamente já ouviram falar - remonta à Roma antiga, quando os imperadores garantiam aos seus súditos o alimento e o entretenimento, provisões imprescindíveis para apaziguar os ânimos da plebe diante do absolutismo tirânico do César. O Circo era o evento catártico, a purgação de maus pensamentos e intenções; já o Pão era a subsistência mais elementar. E assim o império robustecia-se sob os olhares embotados e confiantes do povo romano.

Eis que a política do Pão e Circo vinga até os dias de hoje, a pleno vigor, e é, cá no Brasil, o alicerce da pretensa perpetuação no poder do PT - partido de negou a sua própria história e traiu seus eleitores, reduzindo-se a apenas mais uma sigla em meio a esta sopa de letrinhas insossa e indigesta da política partidária brasileira.

O PÃO nosso de cada dia é servido sob as mais variadas formas e denominações, mas essencialmente sob o simpático e politicamente correto apelido de Bolsa Social - quem haveria de ser contra? As bolsas sociais, ao contrário da idéia que tentam transmitir com a adjetivação, vislumbram o social exclusivamente no próprio nome, jamais em suas práticas. As políticas de bolsas vigentes no país - que se assemelham às esmolas dadas só para despachar o pedinte e aliviar a consciência - arrogam-se a si a nobre condição de sociais, embora, da forma como foram instituídas, não sejam nada além de abjetas e bem disfarçadas políticas de ativação da economia para o regozijo do capital, uma vez que resgatam a população miserável da classe dos não consumidores, ofertando-lhe a real possibilidade de consumir e endividar-se, o que, convenhamos, é uma bela manobra de concentração de renda, pois as bolsas, em síntese, são recursos do estado revertendo-se em crédito para o capitalista.

As políticas assistencialistas deveriam ser um expediente de caráter compensatório e, sobretudo, de natureza temporária, servindo tão-somente como um mecanismo emergencial de alívio frente à miséria absoluta (já rumamos para doze anos de assistencialismo petista que não redundou em avanço social nenhum aos seus beneficiários, salvo um parco incremento no seu poder de compra). E o que faz o desgoverno petista? Aplica-as de forma ardil e eleitoreira, de modo que, a olho nu, não se perceba que elas reproduzem a miséria, não emancipam e condenam o pobre à escravidão perpétua, mantendo-o à margem da cidadania. Mas claro, tudo isso com TV de led, sofá novo na sala, geladeira biplex e máquina de lavar, que nem chega a ser, assim, uma Brastemp! A dignidade parcelada em setenta e duas vezes, sem entrada.

O CIRCO, por sua vez, é a máquina da alienação que nos tritura diariamente, largando-nos, ao fim do processo, no chão com um sorriso esperançoso estampado no rosto.

O Circo se faz presente em nossas vidas nas novelas, que ditam padrões de comportamento surreais, fazendo-nos sonhar com o impossível - que a inverossimilhança intrínseca das novelas faz parecer possível -, fomentando-nos expectativas e esperanças que darão em nada e que serão retroalimentadas por muitas outras expectativas e esperanças que só findarão na frustração – mas, nesse derradeiro instante, começa uma nova novela e a vida adquire um novo e saboroso sentido.

O Circo, em suas moderníssimas e milionárias arenas, expressa-se também através da bola e de muito bem remunerados atletas. Brasil, o país do futebol... e da COPA DE 2014!!! Querem alegoria mais apropriada? Os grandes anfiteatros romanos possuíam em sua parte central uma arena, coberta de areia, onde se realizavam os espetáculos públicos. Ali, gladiadores e feras se enfrentavam enquanto, nos camarotes e arquibancadas, a plebe delirava e esquecia das mazelas diárias que lhes consumiam, esqueciam da fome, da doença, do tributo pesado, esqueciam o descontentamento, as desilusões, a inexistência de perspectivas reais. O futebol é o circo pós-moderno e a COPA é o ápice do espetáculo da bola, cujo aspecto catártico é capaz de neutralizar qualquer anseio de mudança ou sentimento de indignação.

O Circo é também a profusão indiscriminada de credos, templos e seitas arrancando os poucos caramiguás dos fiéis em troca da garantia de uma vida abençoada e feliz e, a título de regalo, uma eventual cura de algum câncer que porventura sobrevier; são também os clichês cinematográficos dos enlatados estadunidenses, encobertos pelo azinhavre, submetendo o povo a um cruel processo de aculturação e colonização; são os reality shows a provar que a imbecilidade humana não tem limites; são as receitas da Ana Maria Braga e as dicas do especialista do Fantástico sobre economia doméstica.

O Pão e o Circo redivivos e o PT mais vivo do que nunca. Afinal, os altíssimos índices de popularidade da nossa tirânica mandatária-mor, que seguramente a conduzirão ao seu ambicionado segundo reinado (já rumamos aos dezesseis anos de desgoverno petista), são frutos da política do Pão e Circo. O pobre brasileiro, assistido pelas Bolsas Sociais (o Pão) e alheio à realidade social por conta dos mecanismos de alienação que lhe são inoculados (o Circo) já garantem a margem de votos necessária à reeleição da atual presidente. A economia nacional, aquecida pela injeção de recursos estatais das Bolsas Sociais e dos grandes eventos catárticos (dinheiro público, via BNDES, para a Copa do Mundo e Olimpíada), garante a pujança do capital financiador de campanha, os eternos sanguessugas que não hesitam em "investir" (financiar uma campanha vencedora é sempre um ótimo investimento, com retorno rápido e garantido) altas montas para assegurar a reeleição da sua comprometida benfeitora.

E assim caminha o Brasil, cada dia mais refém de um desgoverno de viés despótico, gerido por uma amontoado espúrio de siglas e capitaneado por um partido sem ideologia, sem história e sem escrúpulos.

Pão e Circo: são necessários, mas nem de longe o suficiente.

sábado, 14 de julho de 2012

GUERRA E PAZ - TOMO II


Fim do segundo tomo do grandioso e épico Guerra e Paz. Ante a aliança (frágil e efêmera, ver-se-á) entre os soberanos Napoleão e Alexandre, as sangrentas batalhas dão lugar aos amores: falsos, verdadeiros, submissos, rancorosos, arrebatadores, decepcionantes... de todo o tipo que há e que hão de haver, mas, sobretudo, amores. Bailes e reuniões aristocráticas servem de subterfúgio para aproximar pessoas e separar casais, construir e destruir reputações, contemplar nobres e vis interesses. Personagens revelam-se piores ou melhores, ao sabor das mais íntimas intenções, e surpreendem-nos a cada capítulo. Personalidades vão se revelando e contradizendo-se, expondo a marca mais essencial - e a mais negada - do ser humano: a incoerência. Tudo magistralmente narrado por um dos maiores gênios da literatura universal. Ao fim do tomo, os desentendimentos entre os impérios francês e russo recrudescem, rompe-se a aliança e a guerra torna-se iminente.

De momento, suspendo a degustação do delicioso romance para por em dia a leitura das minhas Caros Amigos, cujo passivo já soma quatro edições. Em breve tempo ponho-a em dia e, então, retorno às cidades de Moscou e Petersburgo, lá por volta de 1810, ciceroneado por ninguém menos do que o grande Tolstói. Foram aproximadamente 1200 páginas; meio caminho andado - lenta e contemplativamente, como convém.

Um bom romance sempre será a melhor viagem.

sábado, 7 de julho de 2012

CHIQUE?


"Chique mesmo é dar bom dia ao porteiro do seu prédio..."

A assertiva acima pulula nas redes sociais com status de modelo de comportamento elevado e está sendo muito bem assimilada pela massa incauta, que a vem difundindo orgulhosa e irrefletidamente. Glória Kalil, a soberana da etiqueta nacional, para muitos, o grande paradigma de elegância e comportamento no país, é a autora desse sutil tijolaço na cara dos que pensam. O ato falho* foi grotesco, mas, curiosamente, passa despercebido para a maioria das pessoas que se deparam com a frase (sim, sou indulgente, trabalho com a tese do ato falho, e não com a da intenção deliberada).

Quantos, além de mim, perceberam o preconceito social que subjaz na infeliz premissa? Sob a minha lente, tentarei traduzir o que exatamente expressa a frase. Eu a li dessa forma:

Ser chique é, em que pese a minha evidente superioridade, abrir generosa exceção e rebaixar-me ao mesmo nível do porteiro do meu prédio no intuito de lhe propiciar o incomensurável e raro prazer de se sentir objeto do meu condolente desejo de que o dia lhe seja bom.

Só faltou, para coroar o preconceito e condenar definitivamente o nobre porteiro a uma condição de ser inferior, um depreciativo "ATÉ ao porteiro..." na frase de Glória Kalil. Mas aí, talvez, explicitar-se-ia o preconceito do dito que, sendo assim, não mais ostentaria a incontestável chancela da "chiqueza" e tampouco seria tão largamente propagado. Ademais, não acredito que a máxima tenha sido concebida deliberadamente em favor do preconceito, mas, como asseverei acima, creio piamente na tese do ato falho, a intenção reprimida que, às vezes, prepondera involuntariamente.

Preconceito social velado: a gente vê por aqui. Plim-plim!

Em tempo: qual seria o momento, então, em que o porteiro do seu prédio teria a oportunidade de ser chique, também? E quem seria merecedor de tal honraria? Talvez ser chique de verdade seja o porteiro desejar um bom dia sincero ao "doutor", mesmo sabendo que nunca haverá recíproca e que a resposta não virá além do silêncio e do desprezo.

*Do Houaiss:
ato falho ou falhado
Rubrica: psicologia.
aparecimento, na linguagem falada ou escrita, de termos inapropriados que supostamente remetem para conteúdos ou desejos recalcados referentes ao objeto, à pessoa ou ao fato em questão