domingo, 20 de abril de 2003

ATO LEIGO DE CONTRIÇÃO



Meu talento é defesa.

Minha inteligência é acaso.

Não sou criador, sintetizo.

Minha bondade é culpa.

Meu bom senso é medo.

Não sei, sugo.

Meu equilíbrio tem as deformações do que é normal.

Minha lucidez nasceu da doença.

Não sou, suo.

Minha simpatia é feita de naturalidade.

Meu galanteio é corruptor.

Não tenho gestos, tenho intenções.

Minhas admirações são inveja.

Meu espanto é covardia.

Não invento, formulo.

Minha indiferença arde de desejos.

Minha doçura é timidez.

Minha versatilidade é esquizóide.

Não planto; colho, espertamente, a emoção comum.

Não fecundo porque sou hábil.

Não educo porque sou fraco.

Não desagrado porque sou dependente.

Não abalo porque sou medroso.

Meu brilho é a máscara do meu vazio.

Meu vazio é a minha verdade.

Minhas palavras são "flatus voicis".

Não sou expulso porque me acomodo.

Não crio porque ouso.

Não abro caminhos. Sou mero tradutor.

Não renovo porque repito.

Não ameaço porque prefiro o mais fácil.

Não espanto porque me deixei amansar.

Não sangro porque desisti.

Meu NÃO tem disfarces demais.

Meu SIM, quando será integral?

Meu eufemismo é hipócrita.

Não perco o emprego porque aprendi a sobreviver.

Não digo todas as minhas verdades por medo e preconceito.

Não escrevo o que sei e sim o que finjo saber.

Não sei, nem tudo o que finjo.

Minha frase é esconderijo.

Meu prestígio é minha insegurança.

Minha palavra não é o "sal da terra".

Minha alegria é de estufa.

Meu elogio é demolidor.

Não sou a imagem que projeto.

Não mereço as carinhos que recebo.

Não valho a sua admiração.

Não sinto, sentindo, o que sinto escrevendo.

Minha modéstia é arrogante.

Minha agressão é ressentimento.

Minha ironia dá úlcera.

Minha vitória é menoridade.

Não me decido a ser definitivo.

Não venci as derrotas antigas.

Não derrotei as vitórias fáceis.

Meus ideais são ambições fantasiadas.

Minha crítica é projeção.

Minha frustração escreve melhor do que eu.

Minha amargura me finge simpático.

Não consegui vencer minha infância.

Minha coerência foi parar no sanatório.

Meu sarcasmo tem cara de anjo.

Meu riso é amortecedor, emoliente, trânsfuga.

Não sou bom, preciso de bondade.

Minha esperança e minha salvação:saber de tudo isso.

E CONFIAR E PROSSEGUIR.




Artur da Távola



Me encontrei em muitos desses versos. Vê se contigo não acontece o mesmo.

"Conhece-te a ti mesmo." (Sócrates)

Nenhum comentário: