terça-feira, 27 de dezembro de 2005

MATEANDO SOLITO

Interpelaram-me, dia desses, com espanto descabido:

- Tu tomas chimarrão sozinho????!!!!

Aquele sozinho soou-me deveras humilhante, reduzindo-me não tão-somente a um, uma vez que só, mas a praticamente zero!

Surpreso e ao mesmo tempo constrangido, como se fosse tal hábito um despautério inominável, em tons de escusas, expliquei que sim, e que muito me aprazia tal costume diário - de regra, matutino.

Quase que de imediato, numa dessas explosões argutas e sagazes da memória humana, sobreveio-me à lembrança um trecho magnífico de Erico Veríssimo no seu surpreendente Incidente em Antares, onde o protagonista principal da primeira parte do romance, Tibério Vacariano, completamente só, ainda de madrugada, degusta lentamente seu mate, num ritual quase sagrado que, diariamente, repetia-se solenemente, sem interrupções indesejadas. Mantinha-se há anos inalterada aquela sagrada rotina, que tão cedo lhe acolhia e aquecia-lhe a alma. Eis o excerto:

"Meio encolhido no seu pijama de pelúcia, com uma manta de lã enrolada no pescoço, era com um certo gosto de tropeiro que oferecia a cara à mordida gelada e úmida do ar do alvorecer. Era bom sentir no côncavo da mão e nos dedos o calor da cuia de chimarrão e mais saboroso ainda chupar a velha bomba que herdara do velho Xisto [pai de Tibério], reter na boca, meio queimando a língua, o mate escaldante e depois deixar o amargo descer devagarinho, faringe e esôfago abaixo, e ir aquecer-lhe o peito, como um poncho para uso interno."

Obrigado, Erico, por tão relevante precedente, poético e intimista. Tibério, gaúcho de alta estirpe, veio, providencialmente, em meu socorro, através da literatura. A grande literatura é capaz de tais proezas.

O gaúcho, com seu mate, jamais estará só.

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