terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

VINHO E LITERATURA

De vinho, tudo o que sei é que é feito de uva - ou, ao menos, deveria ser. Sei também que, segundo um provérbio latino, "a verdade está no vinho", ou, no próprio latim, "in vino veritas" - só pra dar uma leve esnobada (santa Wikipédia, desde 2001 subsidiando a pseudo-intelectualidade mundial). Contudo, aprecio um bom vinho, e creio que o tenho feito dignamente. Sei de seus sabores de senti-los e não de entendê-los. Em dias de baixa graduação térmica, busco a verdade no aconchego das elevadas graduações alcoólicas de um bom Cabernet Sauvignon, sem a menor pretensão de decodificá-lo ou explicá-lo. Sou um enófilo, não um enólogo.

Pois, dia desses, num contexto diverso, lembrei-me do vinho e a relação amistosa que mantínhamos um com o outro.

A pauta era literatura, mais precisamente o grande Dostoiévski. A conversa era franca até que, há uma certa altura, acirrou-se o debate e o meu interlocutor, num compreensível instinto de autopreservação (confesso, provoquei-o), disparou-me desafiadoramente: "muito pior do que não ter lido Dostoiévski é tê-lo feito sem o ter entendido", insinuando claramente que eu o teria feito desse modo. Absorvi o golpe em silêncio e tratei de elaborá-lo.

Então, faço o entrelaçamento, a analogia que se impõe: a boa literatura, assim como o vinho de qualidade, deve necessariamente ser entendida para ser bem-apreciada? Quem sou eu para presumir que decifrei Dostoiévski? Ou Kafka, ou Machado, ou qualquer outro grande mestre da literatura? Se, na "minha" A Metamorfose, Gregor Samsa metamorfoseara-se em barata e, na "tua", em um grilo (ou, numa terceira ótica, contrariando todo o senso-comum vigente, não se metamorfoseara em coisa alguma), pode-se afirmar, categoricamente, que eu entendi o autor, enquanto tu não o foste capaz de fazer? Absolutamente! A grande literatura não é senão para que nos entendamos a nós mesmos, jamais para que decodifiquemo-la como um tratado filosófico ou uma consolidação de decretos. A arte é subjetiva e não carece de razões ou silogismos. Entendamos isso.

Eu me entendi melhor após ler Dostoiévski. Talvez até não o tenha compreendido de pleno, mas na busca vã de fazê-lo um dia, vou relendo-o e entendendo-me cada vez mais.

Sei lá se o aroma é frutado ou, a narrativa, expressionista, o que sei é que a verdade está na literatura e no vinho. Quando quero mentir, bebo cerveja.

Um comentário:

Margarida disse...

Gostei! Posso não te entender. Mas te sinto profundamente.
Te amo!