quinta-feira, 5 de junho de 2003

Às vezes me sinto uma cebola dentro de uma salada-de-frutas. Acho que todos nós um dia já tivemos essa desagradável sensação de ser um estranho no ninho, de percorrer em sentido contrário uma via de mão-única. Essa sensação estranha que nos aflige por vezes nada mais é do que a demonstração cabal de que, inegavelmente, somos todos diferentes uns dos outros. Graças a Deus! Mas eu sou desconfiado por demais e me surpreendo, às vezes - em meio aos meus desvarios filosóficos - analisando o quão diferente eu sou da maioria das pessoas que conheço e com que convivo.

Senão, vejamos:

Adoro Chico Buarque e Tom Jobim, e conheço pouquíssimas pessoas da minha geração que admiram e ouvem esses dois mestres da MPB. Detesto forró, sertanejo, tchans e afins, funk e todo esse lixo que a mídia despeja aos borbotões sobre a cabeça desse povo ingênuo e inculto, ávido por diversão e distração fácil para esquecer as mazelas de suas tristes vidas.

Não sei dançar. Não só não sei, como odeio dançar. Não vejo a menor graça em ficar sacudindo o corpo de um lado para o outro, como se fosse uma marionete epilética, ao som de "músicas" pobres e ridículas (quase toda música dançante é pobre e ridícula). Música é arte, e arte tem de ser saboreada como se fosse um bom vinho: sentir o seu aroma, perceber o seu buquê, sorver pacientemente todo o líquido da taça para poder entendê-lo e admirá-lo. É a arte de bem-degustar vinhos e músicas. Nosso paladar agradece (e nossos ouvidos também).

Não gosto de futebol. Confesso que nos tempos de outrora já fui o gremista mais fanático que eu conheci. Mas eu evoluí - as pessoas amadurecem, ficam mais inteligentes e evoluem, certo? Acho o cúmulo da insanidade mental ficar discutindo aos berros, em vezes tomado por assustadora cólera, a vida de um bando de semi-analfabetos que ganham cem vezes o que a maioria de nós ganha, para simplesmente correr atrás de uma bola uma ou duas vezes por semana! É irracional. O cara grita, xinga a mãe, briga e até mata em nome de um fanatismo sem precedentes. Os estádios transformam-se em arenas e os torcedores em feras que se agridem para, em síntese, patrocinarem o carro importado e os $100.000,00 de um "Joãozinho" qualquer.

Odeio gincana. Acho uma grande perda de tempo e um lamentável desperdício de recursos esse tipo de "joguinho" onde se mobilizam várias pessoas em torno do objetivo fútil de cumprir tarefinhas idiotas. Se as pessoas aproveitassem essa capacidade de mobilização que inegavelmente possuem para lutar por uma sociedade melhor e mais justa, descobririam a força que têm e da qual nunca fizeram o devido uso.

Sinto necessidade de solidão. Não sofrer de solidão, mas estar só comigo mesmo. Penso, reflito, leio, escrevo. São momentos de autoconhecimento que me são indispensáveis e dos quais não abro mão por nada.

Arrisco-me a causar a impressão de uma certa dose de pedantismo - que, acreditem, é apenas impressão -, mas realmente adoro ler. Dê-me uma boa leitura e eu estarei no paraíso. Num país onde ninguém lê, mais do que nunca me sinto a tal cebola referida inicialmente. Kafka, Dostoiévski, Scliar, Saramago, Vinícius, Veríssimo (pai e filho), Orwell, Assis Brasil, Machado, Tolstói, Graciliano, Stendhal, Dante, Boff, Roberto e Paulo (ambos, Freire), Quintana (e o PC tá lá, né?!), Bukowski, Kropotkin, Platão, entre outros mais que nos transportam a vários mundos com suas palavras mágicas.

Abaixo Paulo Coelho (que vergonha ABL!)!

Não assisto novela, nem Faustão, nem o raio-que-o-parta!

Admiro o novo, o corajoso, o diferente. Admiro todo aquele que não tem medo nem receio de expor sua forma de pensar, de agir, de existir e de se fazer perceber pelo mundo, por mais insólita que estas possam parecer aos olhos dos medíocres que se dizem "normais" (meros componentes da salada-de-frutas). Admiro a autenticidade sem disfarces, sem máscaras. Tem personalidade todo aquele que não lança mão da hipocrisia e adota o comportamento que sua a consciência dita, sem se importar se é de bom-tom aos olhos mesquinhos da sociedade hipócrita. Admiro a cebola!

Abomino status quo, status, lugar-comum, conveniências, tradição, pseudovalores, hipocrisia.

Adoro discutir política e, quixotescamente, acredito que assim poderemos mudar o mundo. Torná-lo melhor para todos, inclusive para os que não gostam de Chico e Tom, adoram dançar músicas ridículas, são fanáticos por futebol, participam de gincanas, nunca ficam sós, não são afeitos à boa leitura, idolatram Paulo Coelho, odeiam política, escondem-se no lugar-comum, adoram salada-de-frutas e, principalmente, detestam cebola.

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