domingo, 16 de novembro de 2003

O QUARTO



Acordou com o ruído sibilante do despertador. Como ocorrera em todas a manhãs nos últimos cinco dias, pontualmente às seis horas o seu velho relógio digital - que o acompanhava por onde quer que fosse - o arrancava abruptamente de um profundo sono, conseqüência de fatigantes horas de trabalho diárias naquela cidade estranha e tão diferente da sua. O quarto de hotel era minúsculo - pudera, era o mais barato que encontrara - mas asseado e, no seu ponto de vista, com uma grande vantagem: sua janela dava para o leste, onde nascia o sol, e este detalhe era-lhe de especial estima, eis que apreciava o acariciar do sol da manhã em seu rosto, ao despertar.



Sentou-se à beira da cama, esfregou os olhos com força e espreguiçou-se lentamente. Aos poucos retomava a consciência que o sono profundo havia-lhe roubado. Estranhou a ausência dos habituais filetes de luz que todas as manhãs cortavam de fora a fora o assoalho do quarto, rente aos seus pés, efeito produzido pela claridade do sol nascente transpassando a velha janela de madeira através de suas diversas frinchas. Encontrava-se sob completa escuridão, o que não era comum naquelas manhãs claras de verão. Acendeu a luz.



Ao abrir a janela, cuja abertura se fazia para o lado de dentro do quarto, sentiu como se o chão lhe faltasse e houvesse em suas veias gelo em vez de sangue. Não havia o sol nem a rua, nem as pessoas nem automóveis, nem as árvores das calçadas, tampouco os pássaros que as habitavam. Havia, sim, tijolos. Uma sólida e assustadora parede de tijolos tapando completamente o vão inteiro. - Como poderia, da noite pro dia?!, indagou-se intrigado. E o coração disparava-lhe no peito como se quisesse saltar pela boca e arrebentar aquela muralha de cimento, numa ânsia quase irracional por liberdade. Seus movimentos tornaram-se limitados e lerdos, tal era o desespero e angústia que o arrebatavam diante de tão insólito acontecimento. Caminhou com extrema dificuldade até a porta e, suplicando a Deus com toda a fé de que nunca lançara mão, num repente de agressividade, girou sofregamente a maçaneta, puxando-a com tal violência que acabou por estatelar-se no chão. Suava frio e seus nervos estavam em frangalhos quando, ainda caído, ao erguer o olhar em direção à porta escancarada, contemplou imóvel a mais estarrecedora cena de sua vida: tijolos. Tijolos e cimento de uma solidez agressiva e sufocante. Ali, onde há poucas horas havia a saída que dava para o corredor do hotel, o qual percorria diariamente rumo ao seu café da manhã, via-se então uma fria e impessoal parede de argamassa e tijolos. O desespero tomou-lhe conta por completo embotando-lhe a visão. Suas forças esvaíram-se, suas idéias tornaram-se absurdamente confusas, aquele ambiente sufocava-o impiedosamente, sentia um pranto agonizante brotar-lhe no peito, mas antes que acontecesse, perdeu completamente os sentidos e estirou-se inconsciente no chão.



Acordou com o ruído sibilante do despertador. Completamente ofegante e encharcado de suor, sentou-se à beira da cama, o velho relógio digital marcava seis horas, esfregou os olhos com força e pensou aliviado: - Foi tudo um terrível pesadelo! Sua alma tranqüilizou-se e veio-lhe à mente, com extraordinária nitidez, o inestimável valor da vida e da liberdade. De súbito, observou a ausência dos habituais filetes de luz que todas as manhãs cortavam de fora a fora o assoalho do quarto, rente aos seus pés...

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