quarta-feira, 3 de dezembro de 2003

Hoje, o nosso déspota invisível é a nossa própria consciência, e sem que tenhamos consciência desta submissão a tão cruel tirano. Por mais paradoxal e esdrúxula que possa parecer tal afirmação, ela é perfeitamente passível de comprovação.



Observe como somos adestrados das mais diversas formas para agirmos e pensarmos exatamente como convém aos adestradores em questão. Repare o quão bem aceitas por todos são as idéias que permeiam as mentes "visionárias" da pós-modernidade, suas diretrizes e seus (pseudo-) valores. As mentes que dominam, que decidem, que executam, que ordenam, que perdoam ou condenam ao seu bel-prazer estão livres para escravizar-nos, sem que isso provoque qualquer menção de reação ou revolta de nossa parte. Ademais, nos é imperceptível tal falta de liberdade, eis que cremos piamente sermos senhores de nossos destinos, embora sejamos vítimas de um maquiavélico engodo.



Perceba que nossa escravidão se fez de dentro para fora. Nós a aceitamos e a defendemos com tenacidade ímpar, traçamos verdadeiras apologias em sua homenagem, sempre amparados na inocente certeza de que estamos dando o passo perfeito e ideal, quando, na verdade, estamos alimentando a nossa própria desgraça. Não sofremos pressão externa de qualquer tipo, não somos ameaçados, tampouco somos impelidos a agir desta ou daquela maneira. Não nos são impostas, com métodos violentos nem armados - como assim o havia sido nos anos negros da ditadura militar - , regras de conduta e formas ideais de comportamento. Nada é de fora para dentro, nada é violento, nada é hostil nem invasivo, tudo é sutilmente induzido como se ali tivesse nascido, e assim somos conduzidos, apáticos e dóceis como cães domésticos.



Nossa consciência - ou a falta dela, como queiram - é trabalhada desde cedo através da mídia, dos costumes de uma sociedade viciada e já completamente adestrada, da cultura importada e subvertida à qual nos é possibilitado o acesso, pela escola que ensina para competir e não para viver, pela família que já assimilou muito bem a lição e em cujo bojo a semente da alienação encontrou terra fértil, tornou-se árvore e rendeu frutos. A contaminação é quase total e raramente escapa-se de tão contagiosa moléstia.



A mente bem adestrada se auto-regula, independentemente de patrões, senhores ou opressores. Tacitamente rumamos a passos largos em direção à nossa desgraça, não sendo necessário para isso esforço ou sacrifício algum de nossa parte, dado que o comportamento padrão sob o qual regemos nossas condutas já nos é intrínseco e nato, tal é o grau de apuro alcançado pelo talento aliciador daqueles que nos adestram e administram o canil.

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