domingo, 26 de dezembro de 2004

CINZA



Caminhava a passos largos sob um céu cinza de uma manhã igualmente cinza.



Sua alma, não obstante o extremo esforço, mal conseguia acompanhá-lo, tamanho era seu enigmático desejo de andar só e depressa. Sôfrega e ofegante, acompanhava-o pairando por sobre seu rastro de desespero, pressentindo o mau desfecho de tão insólito momento.



O asfalto sobre o qual ecoavam seus paquidérmicos passos era de um cinza áspero e angustiante.



Seu sobretudo de lã importado era de um cinza denso e pesado.



Seus olhos tristes eram cinza e revelavam - embora muito remotamente - resquícios de um brilho intenso que outrora deu luz aos seus caminhos e à sua vida.



A cinza de seu cigarro - a única companhia de que precisava naquele momento - caía-lhe, vez por outra, sobre seus sapatos cinzas.



O vento era cinza abrasivo.



O frio era cinza agudo e incisivo.



O revólver sob o casaco era cinza.



A bala era cinza.



A pólvora era cinza.



O estampido surdo e abafado anuncia o fim de uma vida desprovida de cores.



A perseguição acabou e, rumo ao cinza do céu, desviou-se e seguiu chorando a sua alma.



Chove.

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