segunda-feira, 2 de maio de 2005




CANTO PARA A MINHA MORTE
Raul Seixas

Eu sei que determinada rua que eu já passei
Não tornará o ouvir o som dos meus passos
Tem uma revista que eu guardo há muitos anos,
E que nunca mais eu vou abrir;
Cada vez que eu me despeço de uma pessoa,
Pode ser que esta pessoa esteja me vendo pela última vez;
A morte, surda, caminha ao meu lado
E eu não sei em que esquina ela vai me beijar
Com que rosto ela virá?

Será que ela vai deixar eu acabar o que tenho de fazer?
Ou será que ela vai me pegar no meio de um copo de uísque,
Na música que eu deixei para compor amanhã,
Será que ela vai esperar eu apagar o cigarro no cinzeiro?
Virá antes de eu encontrar a mulher que me foi destinada,
Que está em algum lugar me esperando
Embora eu ainda não a conheça?

Vou te encontrar
Vestida de cetim
Pois em qualquer lugar
Esperas só por mim
E no teu beijo
Provar o gosto estranho
Que eu quero e não desejo
Mas tenho que encontrar

Vem
Mas demore a chegar
Eu te detesto e amo
Morte, morte, morte que talvez
Seja o segredo desta vida

Qual será a forma da minha morte
Uma das tantas coisas que eu não escolhi na vida?
Existem tantas...
Um acidente de carro
O coração que se recusa a bater no próximo minuto
A anestesia mal aplicada
A vida mal vivida
A ferida mal curada
A dor já envelhecida
O câncer já espalhado e ainda escondido
Ou até quem sabe,
O escorregão idiota num dia de sol
E a cabeça no meio fio

Ó morte, tu que és tão forte
Que matas o gato, o rato e o homem
Vista-se com tua mais bela roupa quando vieres me buscar
Que meu corpo seja cremado
Que minhas cinzas alimentem a erva
E que a erva alimente outro homem como eu;
Porque eu continuarei neste homem
Nos meus filhos
Na palavra rude que eu disse para alguém que eu não gostava
E até no uísque que eu não terminei de beber aquela noite...
Esta é uma singela homenagem ao meu primeiro grande ídolo na música. Concordo, os versos são um tanto quanto mórbidos, mas são de um realismo intenso e assustador. Digamos que, entre tantas pérolas com que Raulzito nos brindou, esta seja a negra.

Um comentário:

Anonymous disse...

Ai, que saco! Ja cansei de ler essas tuas coias "copiadas"!! Ve se da um jeito, ne!
Te amo.
Guria