quarta-feira, 27 de julho de 2005



ESQUINAS

Sou fã incondicional das esquinas.
Só mesmo elas para quebrarem abruptamente, com um ímpeto de rebeldia todo próprio, aquela retidão hipócrita das ruas e calçadas das nossas vidas.
Elas são subversivas e, ao mesmo tempo, enigmáticas.
E há uma única forma de decifrá-las e entendê-las: rendendo-se ao seu misterioso ângulo reto e, heroicamente, enfrentando-as.
E cada vez que assim o fazemos, deixamo-nos levar pelo ímpeto transgressivo e imprevisível destas quebradas de caminho, destas corruptoras de rumos.
Nada, nem ninguém, ousaria antever as surpresas que nos esperam no reverso de uma esquina, somente elas, estas abstratas senhoras do destino, que se conhecem umas às outras com uma intimidade visceral e siamesa.
Deixando-nos inebriar por seus intrigantes encantos, conduzir-nos-ão, talvez, à pessoa amada, que faz o mesmo, mas no sentido inverso.
Servir-nos-iam, as esquinas, de cicerones, se assim as permitíssemos, por caminhos ora belíssimos e deslumbrantes, ora obscuros e hostis, destinos de nossas vidas.
Talvez, ao dobrarmos uma esquina infeliz, encontraríamos a bala perdida que nos foi reservada, imbuída de fúria e pólvora e incumbida de morte.
Reservam-nos boas e más surpresas as esquinas, encontro de duas vias que pode vir a tornar-se, repentinamente, o encontro de duas vidas, o desencontro de muitas vidas, ou mesmo o encontro da vida com o seu fatal e inevitável destino, a morte.

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