domingo, 11 de fevereiro de 2007

EU, ULTRAPASSARINHO

Creio que, hoje, descobri, num único e vagaroso elemento, a verdadeira fonte de inspiração para dois conhecidíssimos poemas do parnaso brasileiro. Um, do grande Drummond e outro, do afável - e não menos grandioso - Mário Quintana.

O elemento pernicioso?

O Fusca! Exatamente. O simpático e inesquecível fora-de-linha da Volkswagen.

Os poemas?

No Meio do Caminho (Drummond) e Poeminha do Contra (Quintana).

Do acontecido:

Hoje, a bordo do meu bólido, deparei-me, a uma certa altura da RS-20 - rodovia gaúcha em que se pode desenvolver a modesta velocidade de 80 km/h com total segurança -, com uma considerável e enervante fila de veículos cuja velocidade, com absoluta certeza, não superava os 60 km/h. Algo os estorvava e, conseqüentemente, passou a estorvar-me também. Encontrava-me na desconfortável posição de último colocado na sonolenta romaria (situação deveras barrichelliana, conjecturava eu). À medida em que surgiam possibilidades reais - e abstratas - de ultrapassagem, os pole positions debreavam, reduziam a marcha e aceleravam, escapando do meu alcance visual. Na mesma proporção, aproximava-me do elemento causador de tamanho transtorno. Passaram-se uns vinte minutos de ansiosa espera, sinuosas curvas e arrojadas ultrapassagens à minha frente, quando o avistei. Claudicante e fumacento, lá ia o Fusca no seu trote lento e garboso.

Foi quando, subitamente, sopraram-me aos ouvidos - Drummond, o poeta gauche, no esquerdo, e Quintana, no direito:

Sussurrava o poeta mineiro em meu ouvido esquerdo:

No meio do caminho tinha um Fusca
tinha um Fusca no meio do caminho

tinha um Fusca
no meio do caminho tinha um Fusca.

Nunca me esquecerei
desse acontecimento

na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha um Fusca
tinha um Fusca no meio do caminho
no meio do caminho tinha um Fusca.


Enquanto, no ouvido direito, cochichava-me o poetinha alegretense:

Todos estes Fuscas que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu, ultrapassarinho!


Perdoem-me mais esta pequena heresia.

P.S.: adoro Drummond, Quintana e Fuscas!

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