quinta-feira, 8 de março de 2007

UM DIA ESPECIAL

Ela aguarda em apreensivo silêncio a chegada do marido. Passam das 10h, a novela está no fim e está para começar o seu inferno diário, sempre com hora e local marcados. As crianças já dormem e o silêncio quase sufocante é interrompido pelo barulho da chave na fechadura da porta da frente. O desespero sufoca o pranto. Ele entra, embriagado como sempre, nauseabundo e cambaleante - desta vez, mais do que normalmente -, e ela, num artifício de já sabida ineficácia, lança-lhe o mesmo olhar suplicante de tantos outros desesperos. Surpreendentemente, ele aproxima-se e, em meio à fedentina de cachaça e cigarro, balbucia um insólito e quase incompreensível “parabéns, minha nêga”. Beija-lhe a fronte, estira-se sobre a cama já arrumada e, tão logo cerra os olhos, ressona em alto som. Ela não se contém e libera todas as lágrimas represadas até então - gotas de aflição densas como sangue -, porém em clerical silêncio, e agradece a Deus, ajoelhada em frente ao televisor, por aquele dia tão feliz.

Hoje ela não sofreu agressão alguma. Nem física, nem verbal, tampouco sexual. Hoje ela sentiu-se gente e mulher. Hoje foi o seu dia internacional. Parabéns!

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