sábado, 23 de junho de 2007

ESPERANTE

Esperava.
E esperava, curiosamente, por algo que não sabia.
Ignorava por completo o motivo de tão angustiante espera.
Mas esperava placidamente por algo, por alguém, pelo outro, por outrem...
Astutamente, elegera aquela solitária e impessoal parada de ônibus como cenário de sua enigmática espera.
Em que contexto mais apropriado, conjecturava, poder-se-ia simplesmente esperar sem que o transitivo verbo – no caso, exalando fétida intransitividade – despertasse curiosidade ou gerasse desconforto?
Afinal, jazia ali – cria ingenuamente – a essência universal da espera e ninguém ali estava, senão para esperar.
E por ali transitaram pessoas e ônibus muitos, onde estes findavam as esperas daquelas, mas não a sua.
Auscultavam-lhe os minutos e o perquiriam as horas.
Até que um novo ingrediente, íngreme e instigante, somou-se à cena, inundando de desespero o até então resignado esperante.
A chuva.
Ácida e gélida, esbofeteou-lhe desafiadoramente a inexpressiva face.
O vento forte, apêndice da precipitação, amputou-lhe o patético meio-sorriso do rosto.
Seu semblante, outrora dócil e paciente, assumiu ares de agressiva pertinácia como jamais ousara.
Abandonou a guarida que o anulava e moveu-se de encontro à borrasca com ira libertadora.
Caíra-lhe o gesso d’alma.

Um comentário:

Anonymous disse...

Perfeito, guri, perfeito!
Já estava com saudades, vê se não pára!