terça-feira, 24 de julho de 2007

LUTO

Sim, encontro-me, também, de luto. Mas não este luto hipócrita e demagógico que se alastra pelo país do faz-de-conta toda vez que alguma tragédia de grandes proporções - embora concentradas e elitizadas - apropria-se de todas as manchetes de jornal. A comoção generalizada, hasteada “a pleno pau” pela mídia nacional, é-me enojante e exala cáusticos odores surreais.

Questiono-me - e da mesma forma talvez o fizesse o incauto observador do cenário que se nos apresenta, se a mídia assim o permitisse - o quão dantesco e hediondo pode ser a morte de 180 bem-nutridos e bem-vividos passageiros de um Airbus se comparada ao verdadeiro genocídio promovido pela miséria e pela fome - este sim, digno do mais profundo inferno de Dante - no país do Apagão Aéreo.

Naturalmente, o drama pessoal dos familiares e amigos das vítimas do fatídico vôo 3054 da TAM deve ser respeitado e a consternação geral de forma alguma me é indiferente. Coloco-me, tão-somente, na condição de provocador das consciências alheias, chamando-lhes as atenções para as históricas e permanentes inversões de valores - e o caso em voga é apenas mais um triste exemplo - que a mídia opera para embotar-nos o pensamento e turvar-nos a visão. Tenham em conta, caríssimos, que as consciências a que me refiro são aquelas cujo envolvimento com a fatalidade é restrito ao mero e distante acompanhamento via noticiários. Incabível seria fazê-lo em relação às vítimas indiretas do triste acontecido, sobre cuja dor, no momento, não cabe tecer comentários, e cujo pranto verte legítimo e inconsolável.

Num país onde o pobre é órfão de dignidade, obviamente não lhe cabe a indignação. A indignação é prerrogativa de poucos privilegiados, porém estes usam-na de forma equivocada e egoísta, insuflados pela mídia hipócrita e parcial. E as maquinações midiáticas são de tais ardis que fazem com que os desfavorecidos e marginalizados comovam-se mais com o drama alheio do que com os seus próprios martírios, que perduram e eternizam-se, cuja gravidade é desconhecida das elites viajantes e ignorada por políticos misantrópicos.

Por dia, caro leitor, quantos “Airbus” desfalecem por fome e inanição no Brasil? E o “Apagão Nutricional”? Que jornal o noticiará?

Isso tudo para não falarmos das perdas diárias nas rodovias brasileiras, bem como daquelas oriundas da violência endêmica que bate às nossas portas - pano para outras muitas mangas.

Indagações tais sobrevoam minha mente - para muitos, doentia - e terminam por me fazer pensar. Se puder, pense um pouco você também.

Um comentário:

Anonymous disse...

Bah, cara. Perfeito. Um abraço!
Max