sábado, 19 de junho de 2010

DOS PEQUENOS PRAZERES DA VIDA


Surpreendi-me, hoje, divagando acerca dos pequenos prazeres da vida. Refiro-me, aqui, àqueles sutis prazeres que, a olhos alheios, parecem tão insignificantes, mas que, para quem os desfruta e preza, são de uma intensidade comovente. Posso, inclusive, afirmar que esses pequenos grandes momentos, de certa forma, dão-nos sentido à vida. Não são, naturalmente, suntuosos e anunciados como os grandes prazeres, mas são o oxigênio diário que os possibilita, quando de suas esporádicas aparições. São momentos, muitas vezes, solitários e introspectivos, em que, sem constrangimento nem receio, encontramo-nos com nós mesmos. E isso nos faz um bem danado.

Eu, por exemplo, dedico-me, diária e religiosamente, a três destes microfragmentos de felicidade, e posso elencá-los aqui, sem a pretensão de não lhes soar ridículo, mas, também, sem o menor receio de parecer sê-lo. Meus pequenos prazeres, curiosamente, guardam estreita relação com substâncias estimulantes e até causadoras de dependência, mas tal relação, de regra, é pautada pela moderação (de momento, não abordaremos as exceções). Peço-lhes, portanto, que desconsiderem tal peculiaridade, afastando desde já a desconfiança de que esteja eu, aqui, sofismando em favor do vício. Não são vícios, são (hipócritas, condenai-me!) bons hábitos. Ei-los:

O meu pequeno prazer matutino não poderia ser outro senão o tradicionalíssimo costume gaúcho de sorver um bom chimarrão. E o faço há anos, dia-a-dia, lendo preguiçosamente o jornal. É o primeiro afazer do dia: cevar o mate e, enquanto a chaleira não chia anunciando a temperatura exata da água, buscar o jornal na caixa de correspondências;

Já nas horas vespertinas, meu pequeno grande prazer se dá logo após o almoço. Dispenso a sobremesa e saboreio uma bela térmica de café preto, novo, bem quente, bem forte e muito doce, sempre acompanhado, ou de uma boa leitura - muitos clássicos da literatura já foram dissecados à presença de um bom café -, ou do rascunhar de algum devaneio, como este que ora lês - que acaba de vir à luz sob o excitante efeito da cafeína;

Por fim, à noite, na preliminar do derradeiro repouso diário, deleito-me ao degustar as minhas duas ou três - que podem, sem muito esforço, estender-se a cinco ou seis, conforme a sede da alma - sagradas e consagradas latinhas de cerveja, estúpida e perplexamente geladas, assistindo a qualquer asneira a que a televisão aberta nos inflige. Este é o momento diário de descompromisso e negligência consentida que precede o desligamento total do sistema operacional responsável por dar vida a este velho hardware que já beira as quatro décadas de existência.

Excentricidades? Talvez. O centro nunca foi, mesmo, meu refúgio dileto. Ser excêntrico, segundo meu velho amigo Houaiss, é "agir ou pensar de maneira original, extravagante, fora dos padrões considerados normais ou comuns", cuja antonímia perfeita eu encontro no adjetivo ordinário e seus sinônimos: comum, corriqueiro, trivial e usual. Ser excêntrico é ser a cerveja regélida ou o café escaldante, e não algo meia-boca entre um e outro: a cerveja morna ou o café requentado.

São esses os meus pequenos prazeres da vida: um adorável amálgama de vícios, hábitos e excentricidades; o cotidiano com aura poética. Arrisco-me a afirmar que, quem não os possui, deveria desesperadamente tratar de encontrá-los, eis que, sem os cultivar, estaremos seriamente propensos a tornarmo-nos irremediavelmente normais.

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