Fui pro inferno de um jeito natural
não roubei, não matei
nem conspirei ou tramei golpes
nunca fui um homem perigoso
ou representei ameaça
a bem da verdade, se fiz, muito pouco fiz de mal
pois este – pensava eu –, já há quem faça
e, fazê-lo, soava-me, sempre, demasiadamente banal
eu até fui um homem bom
de uma bondade, admito, seletiva
e encharcada de preguiça
porém, sempre honrei pai e mãe e provi os meus
jamais blasfemei o Espírito Santo
tampouco, em vão, proferi o nome de Deus
e, domingo algum, faltei à missa
a pretexto de, lá, ter alguma utilidade
tomei o cuidado de ir-me, ainda, em boa idade
fui de sapatos de verniz, de gravata e terno
como convém apresentar-se ao inferno
poder-se-ia dizer, de fato
que o fiz de um modo elegante
na indumentária e nos gestos
sem espalhafato
sem fazer vergonha
e sem protestos
um gentleman: – Disponha!
não, não fui pro inferno mentindo
fazendo estragos em vida alheia, traindo
fui de uma forma serena e meritória
fazendo jus à minha história
apenas vendo todo o tanto que vi
e me omitindo.
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