sábado, 27 de março de 2004

KAFKA, NOVAMENTE

O romance que nos traz respostas fáceis jamais será um grande romance. O romance que nos tortura, suscitando-nos dúvidas e questionamentos infernais, este sim, é digno de leituras e releituras à exaustão.

É por isso que eu chego a implorar a todo amante da boa literatura para que leia - e releia - Kafka. O romance kafkiano é um eterno enigma a ser desvendado e, paulatinamente, na medida em que vamos compreendendo-o, distanciamo-nos mais ainda de sua inatingível elucidação. E é precisamente nisso que reside a intrigante genialidade deste grande artista do século XX. É único, insubstituível e indispensável. É, simplesmente, kafkiano.

Mas tomem muito cuidado ao aventurarem-se a ler Kafka pela primeira vez! O primeiro contato pode ser traiçoeiro e enganador. Vejam o que disse Jorge Luís Borges, grande escritor argentino, sobre o seu primeiro contato com a obra do escritor Tcheco:

"Conheci a obra de Franz Kafka em 1917 e agora confesso que fui indigno da obra de Franz Kafka. (...) Recordo que li uma fábula sua, escrita de maneira simples, e me pareceu incompreensível sua publicação. Passei frente à revelação e não a percebi. Também devo confessar que aderia plenamente a este estilo barroco e que buscava imitá-lo. Mais tarde seus livros chegaram às minhas mãos e então me dei conta da minha insensibilidade e do meu erro imperdoável."

sexta-feira, 26 de março de 2004

PROVOQUEMOS

Provocações, o único programa de entrevistas que sinaliza a presença de vida inteligente na Terra, está sendo novamente retransmitido pela TVE-RS. Antônio Abujamra, com toda a sua inteligência irônica e sagacidade afinada, ora mordaz e cáustico, ora sensível e poético, apresenta um programa de altíssimo nível cultural e intelectual, méritos não só do apresentador/entrevistador/torturador, mas também do seleto grupo de entrevistados convidados a passarem pelo seu rigoroso crivo.

Ontem, ao encerrar o ótimo bate-papo com o filósofo Renato Janine Ribeiro, o sempre abusado apresentador sugeriu-lhe que fosse ao programa do Jô, na globO, pois "o meu programa ninguém assiste, mesmo", ironizou Abujamra com uma risadinha sarcástica.

É toda quarta-feira, às 23:00 h, na TVE, ou como queiram os mais antigos (incluo-me entre eles), no 7.

quinta-feira, 25 de março de 2004

O GRANDE CIRCO DA VIDA

Sou um palhaço
Um palhaço anômalo, às avessas
De viés triste e melancólico
De picadeiros vãos, vazios de sim, repletos de não
Sem nariz vermelho, sem pintura no rosto, sem pantomimas nem piadas...
Minha existência já é uma grande piada (e de muito mau gosto, eu sei)
Sou um palhaço cuja lastimosa desgraça faz brotar em lábios alheios um sorriso irônico, debochado e arrogante
Palhaço de feições patéticas e ridículas, digno apenas de escárnio e zombaria
Sou um palhaço que ri de si mesmo quando se encharca de cachaça - sua mais encantadora liberdade
E que chora por dentro quando no calabouço da sobriedade - sua mais sórdida prisão
Que chora por fora quando só
E chega a chorar sangue, até, dando dó...
Um palhaço entre tantos outros que encenam as suas tristes realidades para entreter um seleto público de tiranos
Fúteis, cruéis e mundanos
Um palhaço que sofre por não poder fazer rir o seu igual que sabe, de própria vivência, que a vida de palhaço é dor e desgosto
Sou um palhaço escravizado sob a lona do Grande Circo da Vida
Minha alforria: somente a morte
Um dia

quarta-feira, 24 de março de 2004

domingo, 21 de março de 2004

ADROALDO

Adroaldo, era seu nome. Nome de uma sonoridade incrível e que, ao ser pronunciado, metaforicamente, enche a boca de qualquer falante. Adroaldo da Silva, simplesmente. Nome sui generis e sobrenome popular. Adroaldo detestava seu nome.

Adroaldo passara toda a sua existência conjecturando, supondo, presumindo e refletindo sobre os prováveis motivos que teriam levado seus pais à escolha de tão singular graça para o rebento único da família. "Serei eu resultado de uma gravidez não desejada que, por muito pouco, não terminou numa clínica de aborto? E sendo assim, como forma de vingança, colocaram-me esse nome horrendo?" Passava de tudo pela sua cabeça delirante. Essa questão, para Adroaldo, tornou-se de vital importância. Mas por mais que tentasse descobrir, nunca chegou sequer próximo de alguma explicação aceitável. Sua vida era uma agonizante busca pela verdade - pela sua verdade. Suas noites eram de sono intranqüilo e pesadelos inquietantes que, invariavelmente, tinham por enredo aquele nome: Adroaldo! Já era uma obsessão.

E assim passaram-se os anos até que nasceu o primogênito de Adroaldo. Um garotão forte e saudável, muito parecido fisicamente com a mãe - Adroaldo agradeceu a Deus por isso -, mas com um olhar curioso, arguto e perspicaz - característica inegavelmente herdada do pai, concordaram todos. Seu nome: Adroaldo da Silva Filho.

No dia do batismo, com a criança em seu colo, Adroaldo suspirou profundamente e, incrivelmente aliviado, pensou consigo mesmo: "Enfim, descansarei. A missão agora é tua, meu filho".

terça-feira, 16 de março de 2004

QUEM AMA O FEIO, BONITO LHE PARECE

Henri Beyle, mais conhecido por seu pseudônimo, Stendhal, autor de, entre outras obras-primas, O Vermelho e o Negro e Do Amor, trouxe-nos passagens das mais sublimes no que tange este sentimento tão experimentado por todos, mas dificilmente explicado a contento: o amor. A pretensão de explicá-lo seria uma ousadia excessiva, mas a sensibilidade deste fenomenal romancista o levou a muito perto disso. Observem estes dois excertos pinçados da obra Do Amor, mais precisamente do capítulo XVII, intitulado "A Beleza Destronada pelo Amor":

"Albéric encontra num palco uma mulher mais bonita que sua amante: permitam-me uma avaliação matemática; digamos uma mulher cujas feições prometem três unidades de felicidade em vez de duas. (Suponhamos que a beleza perfeita dê uma proporção de felicidade traduzível com o número quatro.) Há razão para admirar-se se ele preferir as feições de sua amante que lhe prometem cem unidades de felicidade?"

"Mesmo os pequenos defeitos do rosto, por exemplo, um sinal de varíola, enternecem o homem que ama, lançam-no numa fantasia profunda quando os descobre numa outra mulher. É que na presença daquele sinal de varíola ele viveu mil sentimentos, deliciosos em sua maioria, e todos do maior interesse, sentimentos que se renovam com incrível vivacidade à vista daquele sinal, embora visto no rosto de uma outra mulher."

No primeiro fragmento, uma quase equação matemática, fria e objetiva, mas que traduz com limpidez e transparência absurdas a subjetividade do amor. No segundo, um amor tão imenso que transcende o ser amado, manifestando-se - este mesmo amor por este mesmo ser - noutros objetos de adoração que, em síntese, são um só. Paradoxal? E quem disse que o amor tem lógica?!

FELICIDADE = SIMPLICIDADE

Uma mesinha de ferro, cerveja estupidamente gelada ao centro e amigos de verdade ao redor. Pra mim, é o paraíso! Tecemos um sem-número de teorias e planos mirabolantes para mudar o mundo, falamos da vida alheia - sem que o "alheio" esteja próximo, obviamente -, alteramo-nos na defesa de um ponto de vista, damos o braço a torcer ao perdermos a razão (raramente algum interlocutor, em meio ao debate acalorado, atinge este quase divino grau de humildade, mas acontece, às vezes), discutimos futebol, sonhamos com mulheres impossíveis (...para depois contentarmo-nos com as possíveis), debatemos política com impressionante embasamento teórico (mas na prática a teoria é outra, né, Tamagochi?!), despejamos por sobre a mesa uma inacreditável variedade de piadas, e assim vai...

- Garçom, mais duas, e traga um "estiropor" pra nós, por favor!

Diretamente proporcional à quantidade de cerveja consumida - numa progressão geométrica, digamos assim -, a sinceridade e as palavras soltas ditam as regras do espetáculo. Xingamo-nos uns aos outros: "seu viado", "que bixisse", "vai te cagar", "qual é mesmo o nome daquela fábrica de piscinas?", "lá em Caxias, na rua Sinimbi" (palavras terminadas com a vogal "u" são terminantemente proibidas por causa da rima perigosa)..., aquele tipo de tratamento que só entre verdadeiros amigos se admite, e que, sem o qual, aquele adorável e prazeroso encontro perderia toda a poesia que em si carrega.

E o tempo passa numa velocidade assustadora, sem que nos demos conta de que ali, naquelas horas aparentemente vãs e improdutivas, tornamo-nos mais humanos e fomos verdadeiramente felizes.

A felicidade não se encontra no complexo, mas no simples. Complicado é entender isso.

domingo, 14 de março de 2004

Pois é. O Blogger Brasil, da globO, está defenestrando seus usuários não assinantes da globO.com, independentemente de estarem eles respeitando ou não as normas impostas pelo provedor do serviço em questão. Inúmeros excelentes blogs estão paulatinamente saindo do ar sob o pretexto de estarem infringindo as regras do Blogger, o que, em muitos casos, não é verdade. A verdade verdadeira é que terão acesso aos serviços do Blogger apenas os assinantes da globO.com. Não é de se admirar uma atitude de tamanho autoritarismo, de extrema violência à democracia e à liberdade de expressão, partindo de um gigantesco grupo de comunicações que se fez sobre o alicerce do regime militar e mantém, historicamente, uma relação obscura e visceral com o poder. A arapuca foi muito bem armada e muitos - eu, inclusive - se atiraram ingenuamente neste engodo. Inegavelmente, o Blogger oferecia um serviço de ótima qualidade, simples, fácil e gratuito. Enveredei-me para aquelas bandas. Mas, como diz aquela antiga máxima, quando a esmola é demais o santo desconfia. E desconfiou com razão. Agora a coisa funciona assim: quer manter o seu blog no ar? Assine a globO.com. Senão, está fora!

Pergunta: quantos blogueiros serão coercitivamente induzidos a assinarem a globO.com - sob pena de perderem todo o conteúdo, o espaço e a popularidade de seus blogs, conquistados tão arduamente nos últimos anos - por conta desta atitude vergonhosa e enojante da turma do Dr. Roberto Marinho (que o diabo o tenha!)?

TÔ FORA!!!

...assim não dá, Bionicão!! de casa nova (um tanto quanto precariamente ainda, mas vai melhorar):

domingo, 7 de março de 2004

TOSTINES



Os Bancos vão bem porque a economia vai mal ou a economia vai mal porque os Bancos vão bem?

sexta-feira, 5 de março de 2004

"A leitura de um clássico deve oferecer-nos alguma surpresa em relação à imagem que dele tínhamos. Por isso, nunca será demais recomendar a leitura direta dos textos originais, evitando o mais possível bibliografia crítica, comentários, interpretações. A escola e a universidade deveriam servir para fazer entender que nenhum livro que fala de outro livro diz mais sobre o livro em questão; mas fazem de tudo para que se acredite no contrário. Existe uma inversão de valores muito difundida segundo a qual a introdução, o instrumental crítico, a bibliografia são usados como cortina de fumaça para esconder aquilo que o texto tem a dizer e que só pode dizer se o deixarmos falar sem intermediários que pretendam saber mais do que ele."

Italo Calvino,
Por que Ler os Clássicos
Chegaram-me ontem, via ECT, os dois livros que eu encomendara pela internet: Por que Ler os Clássicos, de Italo Calvino e O Desaparecido, de Franz Kafka, a única obra deste fantástico e intrigante autor que ainda se fazia ausente na minha estimada coleção.



Primeira reação ao tê-los em mãos: folheá-los lentamente e cheirá-los. Cheirar suas capas, seus interiores repletos de palavras e tinta, comparar seus odores. Sentir a textura de seus papéis, seus pesos e volumes. Fazer uso exaustivo dos sentidos todos, através dos quais sentimos a vida. Ler, com ansiosidade contida e inquietação controlada, suas capas, contra-capas, orelhas e prefácios, numa clara intenção de se fazer rodeios preliminares com o intuito de estimular ainda mais a avidez inflamada pela leitura que sucederá.



O livro é vida, ou melhor, o "bom" livro é vida. É vida que não vivemos, mas sentimos. É um inimaginável emaranhado de sentimentos diversos que carregamos na mão, lemos no ônibus ou sobre a cama e guardamos na estante, com zelo de jardineiro.



Estão lá, os dois, por sobre a escrivaninha, no privilegiado canto dos livros a serem lidos, ambos voluptuosamente oferecendo-se-me e instigando-me a mais uma deliciosa odisséia que é, para mim, ler um bom livro. Um deles já se encontra transpassado por um oportuno marca-páginas.



Livro é perene, jamais perecerá.

quarta-feira, 3 de março de 2004

Odeio aquela colinha, bem no meio da embalagem do Bis, que faz com que, toda vez que eu abro um, o papel da embalagem se rasgue pela metade. Isso me tira do sério!!!!!