sábado, 7 de julho de 2012

CHIQUE?


"Chique mesmo é dar bom dia ao porteiro do seu prédio..."

A assertiva acima pulula nas redes sociais com status de modelo de comportamento elevado e está sendo muito bem assimilada pela massa incauta, que a vem difundindo orgulhosa e irrefletidamente. Glória Kalil, a soberana da etiqueta nacional, para muitos, o grande paradigma de elegância e comportamento no país, é a autora desse sutil tijolaço na cara dos que pensam. O ato falho* foi grotesco, mas, curiosamente, passa despercebido para a maioria das pessoas que se deparam com a frase (sim, sou indulgente, trabalho com a tese do ato falho, e não com a da intenção deliberada).

Quantos, além de mim, perceberam o preconceito social que subjaz na infeliz premissa? Sob a minha lente, tentarei traduzir o que exatamente expressa a frase. Eu a li dessa forma:

Ser chique é, em que pese a minha evidente superioridade, abrir generosa exceção e rebaixar-me ao mesmo nível do porteiro do meu prédio no intuito de lhe propiciar o incomensurável e raro prazer de se sentir objeto do meu condolente desejo de que o dia lhe seja bom.

Só faltou, para coroar o preconceito e condenar definitivamente o nobre porteiro a uma condição de ser inferior, um depreciativo "ATÉ ao porteiro..." na frase de Glória Kalil. Mas aí, talvez, explicitar-se-ia o preconceito do dito que, sendo assim, não mais ostentaria a incontestável chancela da "chiqueza" e tampouco seria tão largamente propagado. Ademais, não acredito que a máxima tenha sido concebida deliberadamente em favor do preconceito, mas, como asseverei acima, creio piamente na tese do ato falho, a intenção reprimida que, às vezes, prepondera involuntariamente.

Preconceito social velado: a gente vê por aqui. Plim-plim!

Em tempo: qual seria o momento, então, em que o porteiro do seu prédio teria a oportunidade de ser chique, também? E quem seria merecedor de tal honraria? Talvez ser chique de verdade seja o porteiro desejar um bom dia sincero ao "doutor", mesmo sabendo que nunca haverá recíproca e que a resposta não virá além do silêncio e do desprezo.

*Do Houaiss:
ato falho ou falhado
Rubrica: psicologia.
aparecimento, na linguagem falada ou escrita, de termos inapropriados que supostamente remetem para conteúdos ou desejos recalcados referentes ao objeto, à pessoa ou ao fato em questão

Um comentário:

Patty disse...

Partindo dessa premissa, porteiro não pode ser chique, pois é pobre.