Ando farto do mundo, que, por sua vez, há de estar farto de
mim com o mesmo asco. Estou farto deste mundo pródigo em ignorância, ganância,
egoísmo, preconceito... Clichês da vida moderna, bem sei, mas clichês que assim
o são por conta da nossa própria negligência, que consente, sem cerimônia, em quaisquer
atrocidades repetidas por um tanto mais de vezes, reduzindo-as a banalidades da
vida cotidiana. Enquanto não nos tocam, preferimos aceita-las a combatê-las.
Estou farto da vida, invariavelmente mal vivida, de cujo
sentido - admitindo que haja um - desconfio. Confio mais na morte: objetiva,
inevitável e redentora. Viver a vida é suportá-la. Até que a morte nos liberte.
Ando farto de pessoas arrogantes e prepotentes. Farto de
“doutor” sem doutorado; de “excelências” canalhas e imorais; de “madamas” da
alta, retificadas a bisturi e botox, empetecadas e sem educação; de pirralhos
de “iPhones” em punho e “Nikes” fosforescentes nos pés, vomitando gírias e desaforos,
com o respaldo econômico do papai - o doutor sem doutorado - e o afago complacente
da mamãe - a madama empetecada.
Ando farto de doutos pedantes que regurgitam suas dúbias
erudições apenas pela delícia de sobrelevarem-se diante de plateias ignaras - o
que os torna seres desprezíveis, sem que sequer suspeitem, pois a vaidade os
cega sobremaneira.
Estou farto de camisetas com dizeres em inglês e estampa de “estrelas
e faixas”! Estou farto de não nos assumirmos brasileiros, de ansiarmos
doentiamente ser americanos do norte, de nos envergonharmos de nosso vernáculo
e propalar orgulhosamente “eu tò fasendo ingleiz no iazígi!”, de nos deixarmos
aculturar tão passiva e ingenuamente por um império que, hoje, além do domínio
econômico e militar, exerce um domínio cultural devastador sobre o mundo.
Ando farto de convenções sociais hipócritas que rechaçam com
veemência o havido por “anormal”, farto de regras impostas por quem não as
cumpre, farto de condutas “socialmente aceitáveis” que me soam inaceitáveis e
ridículas! Estou irremediavelmente farto da tirania da opinião de Stendhal, da
aristocracia de província de Ivan Turguêniev, de tudo que é vazio, superficial,
fútil, insosso... Estou farto de embalagens, de indumentárias, de maquiagens; ardis
para ocultar a essência - ou, o que talvez seja mais provável, a ausência dela.
Estou farto de sobrenomes tradicionais, de genealogias, de profissionais
bem-sucedidos, de condições sociais. Somos a essência de nós mesmos, e,
portanto, somos únicos, independentemente de um sobrenome, uma linhagem, um ofício
ou uma classe econômica.
Estou farto de ver tanta gente, farta como eu, acuada pelos
órgãos repressores oficiais e pela própria sociedade, impossibilitadas de
reagir na proporção da violência que sofrem diariamente, sem que sejam
condenadas sumariamente. Estou farto de a resiliência ganhar status de virtude,
quando a indignação e a revolta - tão obsoletas e previamente censuradas, hoje,
pelas “pessoas de bem” - poderiam mudar tudo para melhor para a imensa maioria
das pessoas - inclusive para as “de bem”!
Ando farto, por fim, de mim mesmo, por ser protagonista
involuntário, mas consciente, de parte daquilo que repudio e de que estou
farto. Farto de mim por vociferar com a ira de um revolucionário e agir com a
placidez de um bovino. Farto de não fazer nada a respeito. Mas é que eu estou
farto... de tudo... da vida... do mundo... de mim...
Estou farto e cansado... Talvez, se alguém começar, eu até me
arrisque a segui-lo.
Não que eu esteja certo, apenas estou farto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário