domingo, 10 de agosto de 2014

ROSTO ESTRANHO

Ela veio, como sempre vem
Apresentou-se-me com prosaica sutileza
E foi ficando, crescendo
Adensando-se, preenchendo
Desfigurando-me
E fingindo-se mero adorno de mim

Fui condescendente, admito
Não a quis mandar embora
Desta feita, fingi indiferença
E fiz-me bom anfitrião
Tal hóspede tornava-me invisível
Manhã após manhã

Até que, um dia, frente ao espelho
Sem nem ter bem acordado, ainda
Não me vi nele!
Vi corruptela de mim
Um não-eu sinistro
Que era, mas não era eu
Desconhecido, mas intimamente familiar

Assustei, desassustei e percebi
Fora ela, essa danada
Dada a minha indulgência
Quem me pôs tal mascarilha!
Pudera
Quem mandou dar-lhe guarida!?
Agora, zoa-me às braçadas
Com sonoras gargalhadas

Cá estou, perplexo
Encarando aquele rosto estranho no reflexo
Tentando, contudo
Compreender o nexo
Entre a barba e o ser barbudo.

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