quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

O INFERNO ESTÁ CHEIO

Fui pro inferno de um jeito natural
não roubei, não matei
nem conspirei ou tramei golpes
nunca fui um homem perigoso
ou representei ameaça
a bem da verdade, se fiz, muito pouco fiz de mal
pois este – pensava eu –, já há quem faça
e, fazê-lo, soava-me, sempre, demasiadamente banal

eu até fui um homem bom
de uma bondade, admito, seletiva
e encharcada de preguiça
porém, sempre honrei pai e mãe e provi os meus
jamais blasfemei o Espírito Santo
tampouco, em vão, proferi o nome de Deus
e, domingo algum, faltei à missa

a pretexto de, lá, ter alguma utilidade
tomei o cuidado de ir-me, ainda, em boa idade
fui de sapatos de verniz, de gravata e terno
como convém apresentar-se ao inferno
poder-se-ia dizer, de fato
que o fiz de um modo elegante
na indumentária e nos gestos
sem espalhafato
sem fazer vergonha
e sem protestos
um gentleman: – Disponha!

não, não fui pro inferno mentindo
fazendo estragos em vida alheia, traindo
fui de uma forma serena e meritória
fazendo jus à minha história
apenas vendo todo o tanto que vi
e me omitindo.

domingo, 8 de setembro de 2024

SUA EXCELÊNCIA, O SERVIDOR PÚBLICO DE DIREITA





Como se poderia explicar o curioso fenômeno do “servidor público de direita”? Um trabalhador que vive do Estado, mas que odeia o Estado. Que ama a iniciativa privada, mas evadiu-se dela do jeito que pôde. Quem é este ser mitológico que não se explica pela lógica?

No mais das vezes, esse contraditório personagem já vivenciou os horrores de um emprego na iniciativa privada, provou de toda a insegurança, instabilidade, exploração e desrespeito inerentes à realidade de um trabalhador de “carteira assinada”. Até que, um dia, o cidadão – de direita, frise-se – desiste de ser escravo e parte em busca de uma alternativa profissional mais digna: o serviço público, onde ele encontrará, por certo, condições mais humanas de trabalho, remuneração razoável, estabilidade e segurança. Deveras legítimo, mas de uma incoerência acintosa para uma pessoa de direita.

A direita é a ideologia que representa politicamente o capitalismo, sistema que cria, promove e alimenta todo aquele cenário de horrores, à vista do qual, desesperadamente, nosso insólito personagem bateu em retirada, buscando o abrigo e a segurança do serviço público. Então, impõe-se a pergunta: o que faz com que o nosso personagem, o magnânimo “servidor público de direita”, deseje para o outro o que julgou indigno para si? O que faz com que ele eleja os agentes políticos representantes do Capital, que não fazem senão beneficiar este mesmo Capital, em prejuízo, sempre, do trabalhador? O que passa na cabecinha esquizofrênica desse serzinho sui generis, que, apoiando os partidos de direita, impõe o pior do capitalismo aos demais trabalhadores, enquanto assiste, com regozijo, do conforto de seu camarote estatal, à barbárie de que escapou?

Alguém poderia me explicar tal anomalia de comportamento? Egoísmo, covardia, caráter duvidoso, dissonância cognitiva, indigência intelectual, burrice? Com a palavra, algum “servidor público de direita”.

sábado, 25 de maio de 2024

O HOMEM HUMILHADO

Não me tentes entender
Não o quero e nem vale a pena
Tentar – já o tentei
Entender-me – nem eu me sei

Só sei que sou pequena
Sombra do que me quis
E sobra do que me pude
Algo entre covarde e infeliz
Coisa pouca e obscena
Precisamente? Não sei dizer

E de tentar, eu, tanto, e amiúde
Compreender-me sem nem poder
Reitero: não me tentes entender
Pra além deste vil e desprezível ser
Pois entendi que tentar já é o fim
E eis-me ali, em plenitude
Humilhado em mim.

quarta-feira, 11 de outubro de 2023

sábado, 9 de setembro de 2023

domingo, 12 de março de 2023

SALVO ENGANO

Salvo engano, sou humano
Sangro, sofro, xingo e choro
Em desespero, às vezes, oro
Na esperança de que alguém
Que, talvez, nem vá à igreja
Salve-me antes do “assim seja”

Salvo engano, sou humano
Portando amo, rio, vibro
Por vezes minto, ofendo, agrido
Noutras, apanho e nem revido
Vou lamber minha ferida

Salvo engano, sou humano
Tão humano que, na vida
Busco a porta de saída
Num ato suicida necessário
E renasço
Noutro aniversário

Salvo engano, sou humano
E quanta humanidade há
Em saber-se e enganar-se!
E estar enganado quanto a isso
É, também, humanizar-se
Por mais humano que se já seja

E no ensejo do que se enseja
A imprecisão é meu compromisso
E a dúvida, minha catarse.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

terça-feira, 27 de dezembro de 2022

O VINHO VERDE

De todos os vinhos
De todas as safras
De todas as uvas
De todas as castas
Quero aquele que veio pra celebrar
O momento que não houve
Mas que há de haver
Assim que o dia amanhecer

E então, abriremos a garrafa reservada
Que se guardou até agora
Pois é chegada a hora
Do tão ansiado vinho verde
Que iniciou esta bela história.

domingo, 30 de outubro de 2022

AMANHÃ



Amanhã, faça chuva ou sol
a previsão é tempo bom
tempo de alívio e desafogo

Amanhã, eu vou voltar a respirar
sem constrangimento
Vou encher os pulmões
e pronunciar palavrões
os mais obscenos que puder inventar
Mas, também, vou cantar, e gritar, e transbordar...
e respirar – há muito que não me embriago de ar puro!

Amanhã, eu vou esquecer os grilhões em casa
e sair de cabeça erguida, no limiar da soberba
Em meus pés, brotarão asas
Estarei leve, flutuarei

Amanhã, eu vou me despir de um fardo pesado
e vou distensionar cada músculo contraído
Vou rir-me da ansiedade e desdenhar da angústia
Amanhã, meu sangue – vermelho – volta a circular
E o coração, a bater com vigor, a lembrar-me que sobrevivi
e que tantos, também, sobreviveram comigo

Amanhã, vou acordar de um pesadelo
mas não pretendo esquecê-lo!
Vou tentar, com pouco empenho, fingir que ainda respeito alguns
mas fracassarei, por certo
e aqueles que eu respeito, vou querer por perto

Amanhã, devo chorar!
Chorar tudo que não chorei
Chorar todo o ódio de que me alimentei
para ter forças de suportar e de lutar
mesmo quando não havia mais forças
Chorar o pranto que represei para ocultar o medo
que não foi pouco, confesso
Amanhã, poderei ser fraco, novamente
Amanhã é o dia do expurgo!

E hoje?
Hoje eu vou beber
e dormir como há muito não o faço
Pois, hoje, é véspera de amanhã.

domingo, 17 de julho de 2022

ESQUECER

Ah... seu eu pudesse te esquecer...
se, num estalar de dedos
não mais tu me existisses
mas não posso, não quero, nem devo
pois um coração, por bem bater
alimenta-se, também, de tais tolices
e nunca esquece, eis que esquecer
é coisa pra cabeça
ao coração, cabe doer.

domingo, 12 de dezembro de 2021

EPÍLOGO

De repente, o sorriso amarelecera
o olhar se desviara
e a indiferença fez-se companheira
de quem ficara

Madrugadas longas e vazias
prenhes de incertezas e de medos
mantinham-me em vigília
aguardando alguém
sabe-se bem
que não viria

Pois, algures, a noite é uma criança
que não dá satisfação de seus brinquedos
e brinca, e canta, e dança
e seduz, e alicia...
Pra que, então, voltar tão cedo?

E cá, no escuro, a cama é ermo continente
em que me recolho em degredo
e os pensamentos são açoites
Que triste enredo!
Que interminável noite!

Eis que, de repente – não mais que de repente
o que era tudo desfez-se em nada
o que era imenso apequenou-se
e a mão, que em tantas foi carinho, foi guarida
acenou-me a despedida
e se foi... feliz da vida.

terça-feira, 17 de agosto de 2021

LUA LÍRICA

Lua, sua danada…
Assim, como quem não quer nada
Rouba alguns raios do sol
E entrega-nos poesia na madrugada.

sexta-feira, 2 de julho de 2021

EU SOU GAY



"Eu sou gay." - Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul.
Eis que emerge, efetivamente, o nome forte da dita terceira via para o pleito presidencial do ano que vem. Como de praxe, um tucano apoiado pela Globo.
E, pasmem, com verniz identitário! Ele é gay! Que fofo...
Um gay que apoiou o Bolsonaro em 2018.
Um gay que, há dois anos, massacra os professores do RS, com cortes e atrasos salariais.
Um gay que está vendendo o estado à iniciativa privada, o quê, aliás, está no DNA do PSDB.
Um gay que liberou o uso de agrotóxicos, no RS, proibidos em seus países de origem.
Sim, eu sei. Não foi o gay que protagonizou tais canalhices. Foi o político. Usei o termo apenas como recuso retórico a fim de desmascarar o político que está surfando na onda identitária pra se beneficiar eleitoralmente.
E a esquerda crepioca parabenizando-o pela coragem...
Não foi coragem, caríssimos. Foi oportunismo.
E, por favor, ser gay e, hoje, antagonizar com Bolsonaro, não é ser, necessariamente, de esquerda. Ok?
Assim fica difícil, mesmo...
Sério. Dá raiva…

sábado, 3 de abril de 2021

NÃO É SOBRE POLÍTICA



Não, senhores. Não costumo romper relações, com quem quer que seja, em razão de diferenças políticas, ideológicas, partidárias. Aliás, o embate de ideias, por antagônicas que sejam, é algo que sempre me encantou, pois, de minha parte, sempre colho frutos, eis que ponho minhas convicções à prova, exercito-as e as depuro, refino os pensamentos e a precisão argumentativa. Não raro, sucumbo às argumentações contrárias e mudo de ideia, revejo posicionamentos, sem problema algum. Mesmo “vencido”, saio-me vencedor.
Agora, caríssimos, precisamos entender com clareza o que é política. Ou, neste caso, o que não é. 
Afirmar que os negros quilombolas não servem nem para procriar não é política. É racismo.
Tampouco é política prescrever agressão física para a “cura” do filho gay. Isso é homofobia ou LGBTfobia.
Declarar que mulher feia não merece ser estuprada, sugerindo que há as que mereçam, também não é política, não. É misoginia.
Mandar jornalista, no exercício legal de sua profissão, “calar a boca” não é política. É despotismo.
Acenar com a panaceia da posse irrestrita de armas de fogo a um povo que não tem o que comer, tampouco onde morar, não é, obviamente, política. É engodo.
Induzir as pessoas a um tratamento precoce, com medicamento comprovadamente ineficaz, cujo uso irresponsável pode até mesmo redundar em óbito, não é política. É homicídio.
Rechaçar a ciência, menosprezar o uso de máscara e o isolamento social diante do cenário catastrófico que se nos apresenta, igualmente, não é política. É genocídio.
Não é política recusar, de maneira inconsequente e, em grande medida, paranoica, a oferta de vacinas que poderiam salvar a vida de milhões de brasileiros. Isso é uma ignomínia.
Por fim, dar de ombros à tragédia humana por que passamos, zombando da dor dos que sofreram perdas importantes, cuspindo-lhes na cara um hediondo “e daí?”, vomitando piadinhas infames sobre uma doença que está arrasando o planeta, definitivamente, meus caros, não é política. É escárnio.
E se você, porventura, defende, apoia ou se omite em relação a quem promove tais atrocidades, falta-lhe humanidade tanto quanto lhe sobeja vileza. Não quero ouvir seus argumentos, que só farão alimentar o meu ódio, o meu asco e a minha tristeza. 
Portanto, caso eu não lhe tenha excluído de minha vida, exclua-me da sua, pois, se eu não o fiz ainda, foi por pura distração ou falta de tempo, jamais por indulgência.
Não é sobre política. É sobre ser humano ou não.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

PELO MENOS...

- Tá feia a coisa, no Brasil. hein?
- Pelo menos tiramos o PT!
- Mas e a corrupção escancarada?
- Pelo menos tiramos o PT!
- E a rachadinha?
- Pelo menos tiramos o PT!
- Mas e o "toma lá, dá cá"?
- Pelo menos tiramos o PT!
- Tá, e a economia do país, em frangalhos?
- Pelo menos tiramos o PT!
- E a vergonha internacional que estamos passando?
- Pelo menos tiramos o PT!
- Mas tu estás desempregado!!!
- Pelo menos tiramos o PT!
- E nem tem mais auxílio emergencial!
- Pelo menos tiramos o PT!
- Tua mãe morreu de Covid, tomando Cloroquina!
- Pelo menos tiramos o PT!
- E a tua mulher, que fugiu com o entregador de pão?
- Pelo menos tiramos o PT!
- Ufa!!! Ainda bem que tiramos o PT, mesmo! É sempre muito esclarecedor conversar contigo.
- Pelo menos tiramos o PT…

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

ABORTO

Se eu sou a favor do aborto? Nem contra, nem a favor, muito pelo contrário!
Primeiro: a mulher é soberana no que diz respeito ao seu próprio corpo. Ninguém mais. Nem mesmo o Estado. Somente a ela cabe esse posicionamento.
Segundo: é, no mínimo, uma crueldade com as mulheres, posicionar-se contra ou a favor do aborto “em tese”, desconsiderando a realidade concreta que as levou a ter de optar entre interromper ou não uma gestação. Cada situação é única e jamais haverá uma regra geral que as contemple na totalidade.
Por último, defendo, sim, o direito de escolha da mulher, bem como o dever do Estado de assisti-la integralmente, independentemente de sua decisão.

P.S.: quer dar seu pitaco sobre aborto? Engravide e faça sua escolha. O aborto alheio não lhe diz respeito.

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

DIEGO



Esse tinha o meu respeito!
A despeito
Do mau jeito
Consigo mesmo

Gênio nos gramados do mundo
Que despencou a seus pés, no México
Com dribles pra inglês ver

Gênio nas arenas do cotidiano
Nos lábios, o charuto cubano
Na pele, Fidel e Che

¡La mano de Dios te llama!
Vai sereno, Dieguito
Farás falta, sim...
Fazer o quê?

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

SEM FESTA

O sino anunciou o dia nove
Com doze tiros de festim
Mas o WhatsApp emudeceu
Foi tão triste
Que nem mesmo o aplicativo entendeu
Sobrei eu...
Parabéns pra mim.

sexta-feira, 3 de julho de 2020

AH... O AMOR!

O amor começa no exato momento em que pensamos que o amor acabou. Em verdade, o que ocorre, é que, ali, precisamente ali, a paixão nos libertou. Foi-se a paixão, o amor ficou. Atentemo-nos!